
Era um barulho infernal, desses meio surdo, repetitivo, constante. Invadiu os meus sonhos e me tirou de lá, despertando minha manhã antes do relógio. Entrava por baixo da nuca, pelos ouvidos, executando algum tipo de vibração que causava erupções entre os neurônios. Nada de deliciosas sinapses, embaladas pela harmonia. Apenas a monotonia ensurdecedora. Nada da improvisação do jazz. Somente o tédio limpando o rejunte entre as lajotas. O chão já estava quase mudando de cor, tornando-se um bege esbranquiçado, com manchas que à distância pareciam nódoas circulares causando brotoejas no piso. A manhã avançava. Coloquei The Doors para tocar na esperança de abafar o ruído. “People are strange...”. Era o terceiro dia em que a máquina trabalhava à toda. Não conseguia entender qual era a expectativa de ainda limpar aquele chão. Consegui escapar das outras vezes, mas desta, não teve jeito. Fui à janela admirar a azáfama no quintal do vizinho. A dona dava ordens à empregada e ao ajudante, que esfregavam o chão com vassouras enquanto ela perseguia as bactérias com o jato dágua superpotente. No lado de cá, Jim continuava acendendo meu fogo e me dava alguma folga para a minha mente funcionar. A máquina parou para almoçar. Tive uma falsa alegria. O zunido voltou a encher o ar, ficando ali intermitente e uma oitava mais baixo o resto da tarde; quando finalmente reinou o silêncio... Ah, o silêncio!! Uma maravilha pontuada apenas por aqueles barulhinhos familiares que nos indicam que o mundo está vivo e girando – um carro que passa ao longe, uma porta que bate, um passarinho, alguém que acabou de entrar no prédio... e o espaço, e a amplidão que o silêncio traz. O bode saiu.
(Agora, algum louco, na certa chapado, grita em todas as variações possíveis o nome desta cidade. É até musical, o danado.)
(Iêda Lima)
Imagem obtida do clipart do powerpoint.