segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

À Francesa



Uma história de amor não é uma história de amor. É no mínimo duas: a dele e a dela. E desde quando alguém sabe o que se passa do outro lado? E não era isso o tempero, o mistério? - pensava enquanto dirigia pela estradinha de terra em direção à casa de praia, o vento nos cabelos. Adorava quando o céu estava daquela cor, os tons de azul e verde colorindo o ar, os coqueiros, a mata e aquela imensidão de águas que se descortinava à sua frente. Não via a hora de afundar os pés na areia branca. Será que era isso que iria lembrar dali a dez anos? O cheiro de maresia limpando os pulmões de qualquer vestígio do perfume dele? Engraçado como o tempo mudava os contornos e colocava gigantes em tamanhos razoáveis, ou talvez ela houvesse aprendido a mergulhar mais em si mesma e a gostar do que via no espelho. Mas enquanto o tempo não chegava lá, pensava ao vestir o biquini e correr para a praia, nada como o sal para cicatrizar.

O telefone tocava insistentemente, sem resposta. Sabia que devia ter evitado colocar o celular na bolsa. Agora teria de se desfazer de tantos velhos hábitos, o café na cama, os longos passeios de domingo, as conversas madrugada adentro... Mas de qualquer forma, talvez as coisas já não fossem mais as mesmas há algum tempo, ela não sabia precisar, somente agora percebia o que poderiam significar aquelas mudanças sutis no tom de voz. Ninguém havia acreditado no acontecido. Os amigos ligavam, sem saber como falar com ela, e, claro, sempre havia aqueles interessados nos detalhes sórdidos.

Agora, com a passagem do tempo já em marcha (sim, porque tudo havia paralisado naqueles primeiros dias), ficava pensando o que ele acharia disso tudo, o que lhe contaria ao servir mais uma taça de pinot noir, pensava isto enquanto ela própria abria uma garrafa. Não é estranho como não sabemos nada? Lembrava ainda da primeira troca de olhares e de tantas boas recordações de todos aqueles anos – jamais imaginou aquele final. Logo ele, tão sincero, tão correto. Por que havia escolhido morrer assim, nos braços de outra, em um lugar qualquer?

(Iêda Lima)

Imagem: obtida do clipart do powerpoint.

29 comentários:

  1. Uau, que lindo!...
    Final maravilhoso, vc escreve de forma encantadora, Ieda...

    ResponderExcluir
  2. Disse bem, duas historias, a dele e a dela. Cada qual com sua visão. Abraços

    ResponderExcluir
  3. Olá Iêda, para deixar minha visita registrada, aqui ficam os meus elogios ao seu blog e, principalmente, à uma escritora envolvente (esse conto, acima, é inspirador)! Bravo!
    Bjs

    ResponderExcluir
  4. Oi Lilian, Vitor e Lelo,
    fico feliz que vocês tenham gostado.

    Lilian, o seu texto desta semana está imperdível.

    Vitor, adorei o trabalho social que você faz.

    Lelo, muito bom os textos que vc escreve para os jovens (e timidos).

    bjs e uma ótima semana.

    ResponderExcluir
  5. Iêda, muito boa a narrativa. É difícil criar novas abordagens neste tema já tão revisitado na literatura. Acho que você conseguiu.

    ResponderExcluir
  6. Nossa, não sabia que você era poeta. Lindo!
    Parabéns!!!!

    ResponderExcluir
  7. Olá Kovacs,

    Muito bom ter sua visita por aqui. Obrigada pelo elogio!

    Passei em seu blog e deixei um comentário a respeito de Tchekov, autor que adoro.

    Abraços,
    Iêda

    ResponderExcluir
  8. Marianna,

    Que bom ver você por aqui!

    Pois é, vc está descobrindo outros lados da minha pessoa. Volte sempre.

    bjs,
    Iêda

    ResponderExcluir
  9. Oi, Iêda!

    Realmente, uma história de amor na verdade são duas, tanto a dele, quanto a dela.

    Adorei conhecer uma blogueira de BH. Temos o layout igualzinho tb...mais uma coincidência, né! Ôh, adorei o que escreveu de comentário lá no Café com Notícias. Concordo em gênero, número e grau. Gostaria muito, se pudesse é claro, de participar da promoção do II Congresso de Comunicação. Para mim, seria uma honra!

    Abraço,

    =]
    ---------------------------
    http://cafecomnoticias.blogspot.com

    ResponderExcluir
  10. Olá Wander,

    Obrigada pela visita!

    Que bom que gostou do comentário que deixei lá no Café. vou procurar saber mais desse Congresso.

    Abraço,

    Iêda

    ResponderExcluir
  11. Há que se ter um ponto de partida: Referência, influência, tendência...
    É o que se faz do barro que aponta para a qualidade da obra... Você, Iêda! O desenvolvimento do seu talento é simplesmente: Tocante; o domínio de sua caneta, com maestria e a sua sensibilidade de uma grande poetiza... Sem mencionar a visão maior da perfeita integração e harmonia na composição de seus trabalhos... É uma grata surpresa de que 'ouviremos' mais dessa 'baiana-mineira' quieta que partiu de Ilhéus com o curso traçado para realizações ambiciosas que certamente alcançará...
    Um beijo saudoso.

    ResponderExcluir
  12. Iêda.
    Eu vou escrever o que ?
    Bonito, brilhante. Não... Tudo isto já foi dito.
    E agora ? Como fico.
    Não quero pagar mico.
    Ah! Já sei: Continue.
    Baitabraço
    Felipe

    ResponderExcluir
  13. Mauro,

    Saudade de você, de Ilhéus e daquele tempo bom. É sempre uma alegria receber você por aqui!

    Obrigada pelos elogios. Eu também gosto muito dos seus pescadores, barcos, das cenas e do vocabulário típico. Keep writing

    beijos,
    Iêda

    ResponderExcluir
  14. Oi José Felipe,

    Obrigada pela força!!

    Farei tudo para continuar à altura.

    Baitabraço para você também!

    ResponderExcluir
  15. Cara Iêda, teu texto me identificou em várias partes. As vezes penso no amor como uma espera até o longo tempo das recordações.
    Belíssimo.
    Beijos

    ResponderExcluir
  16. Juan,

    Que frase linda! Posso guardar?

    beijos,
    Iêda

    ResponderExcluir
  17. Iêda, você escreve muito bem mesmo.Parece o começo de um bom livro que acabamos de começar, meio dispersos, até que a leitura nos prende e de repente nos submergirmos e não a mais nada la fora, o mundo se desenrola nas palavras do autor, esse é nosso mundo agora.Deliciosa empatia.Perfeito!
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  18. Fernando,

    Muito bom receber uma visita do Clube do Algodão!

    Fico feliz que tenha gostado do texto.

    um abraço,
    Iêda

    ResponderExcluir
  19. Olá, Iêda, estou aqui retribuindo a sua visita. Gostei muito desta sua casa, viu? Sensível, bonita, interessante, variada. Destaque praqueles seus pequenos poemas - poemínimos? Sou baiana de Salvador. Nunca morei na Bahia (minha família, sim), vivi por esse mundo afora, o coração sempre atado à nossa terra baiana. Tenho bons amigos em Belô. Abração.

    ResponderExcluir
  20. Oi Janaina,

    Será sempre bem-vinda aqui. Fico feliz que tenha gostado. Eu gostei imensamente de seus blogues.

    Bjs,
    Iêda

    ResponderExcluir
  21. Áh, Iêda, que conto bom! Que dor no coração.

    beijos

    ResponderExcluir
  22. Oi Vanessa,

    Obrigada por sua visita, por suas palavras e por nos colocar no Fio.

    Volte sempre.

    Abraços,
    Iêda

    ResponderExcluir
  23. "Por que havia escolhido morrer assim, nos braços de outra, em um lugar qualquer?"

    Como eu me perguntei isso, Leda! Confesso, que de vez em quando, ainda me vejo querendo o saber o por quê.

    gostei muito do seu blog ;*

    ResponderExcluir
  24. Pois é Iasminne, eu também já me perguntei esses porquês, até que entendi que existem duas histórias e eu nunca vou saber a outra.

    Fico feliz que tenha gostado do blog, e espero encontrá-la aqui mais vezes.

    Abraços,
    Iêda

    ResponderExcluir
  25. Só hoje percebi sua visita no meu cafofo.
    Achei lindo o seu, cheio de ferramentas interessantes para blog, e claro, o principal, textos gostosos de ler. Digo gostosos pq sao leves, nao sao longos (os longos nao leio hehe), e convidativos a voltar.

    ResponderExcluir
  26. Quanto ao texto, foi, talvez, a dor mais doída de se viver. Por acaso tb usei vários biquínis para cicatrizar minha dor. Me identifiquei com a narrativa.

    ResponderExcluir
  27. Olá Cris,

    Que bom que gostou daqui e do texto!

    O seu cafofo é uma graça, com todas aquelas frases da Clarice Lispector (adoro ela!).

    Aguardo outras visitas suas.

    abraços,
    Iêda

    ResponderExcluir
  28. O amor... sempre lindo e tão doloroso, às vezes penoso. Lindo texto Iêda.
    Beijos,
    Berenice

    ResponderExcluir
  29. Oi Berenice,

    Você disse bem. O amor doi, mas é lindo enquanto dura.

    Adorei a visita!

    Abraços,
    Iêda

    ResponderExcluir