segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


O barulho da porta batendo ainda ecoava. Havia tentado esquecer aquela cena, mas os detalhes insistiam em se gravarem na memória, repetindo-se e repetindo-se, pesando sobre o acelerador. Por que, tantas vezes, um olhar atravessado, uma fagulha mínima, acabava em um turbilhão? Ficava se perguntando o que havia feito de errado. Afinal, não proporcionara sempre o melhor? Queria tanto que pudessem conviver em paz! Mas não, eles nunca estavam satisfeitos, por mais que ela se esforçasse, por mais que ela deixasse de fazer para si... Estava cansada de tudo aquilo. O que importava era a marca!

Parou o carro no sinal e examinou o outdoor. Quem sabe não era isso que ela precisava? Umas semanas em um spa (sim, isso mesmo, se-ma-nas!!) e depois... ah, depois faria como Shirley Valentine, iria para a Grécia e até nunca mais... Riu balançando os cabelos, eles não acreditariam. Acelerou novamente e agora estas novas idéias é que não lhe saíam da cabeça. Vinha economizando para dar a eles alguma coisa importante...

Havia quase uma hora que rodava à toa pela cidade, caraminholando esses pensamentos. Estacionou, bateu a porta do carro resoluta: daquele dia em diante, o jogo seria outro.

(Iêda Lima)

Imagem obtida do clipart do powerpoint.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A ausência...



Perturba
se não notas

Machuca
se não sentes

E ela está ali
no canto da sala
condensando o vazio

(Iêda Lima, 2007)


Imagem obtida do clipart do powerpoint.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Blogagem Coletiva – Coisas do meu Brasil 2

Coisas do meu Brasil. Cores, sons, cheiros. Uma memória de várias cidades onde morei ou passei de viagem. Feiras. Desde criança achava uma delicia passear nas feiras das cidadezinhas do interior, quando viajava com meu pai. Cada feira era um mundo novo, tinha algo a ser descoberto. Uma fruta, um objeto de artesanato, uma cena engraçada ou inusitada. E isso ficou. Continuei adorando ir às feiras, não só essas do interior, com fumo de rolo e tudo, mas também aquelas de artesanato, de antiguidades que se têm na cidade grande.

Esta foto é daqui.

A recordação desses momentos me remete a dias ensolarados, a um céu azul, a uma alegria, a pessoas queridas. E a uma boa comida. Mas devo dizer que dias chuvosos também são bons. Lembro de ir com uma amiga na feira da Praça Benedito Calixto que ocorre aos sábados em São Paulo. Choviscava e ameaçava mais. Fila para o restaurante mineiro. Fomos ouvir o chorinho na praça, maravilhoso. Comemos acarajé. Passeamos pelas barracas de antiguidades. E eu, que acho gente muito interessante, simplesmente adoro a diversidade de tipos que se vê em um lugar assim. Lembro dessa praça em dias ensolarados também, e com menos fila pro restaurante. Falando de São Paulo, no domingo gostava de ir à feira do MASP. Adorava tanto as barracas com antiguidades, como as de artesanato. A parada obrigatória era para comer numa barraca de japoneses que vendiam yakissoba e tempurá. Sou fã do tempurá. Tenho uma amiga gaúcha que também frequentava essa feira do Masp quando morava em Sampa. Quando fui visitá-la em Porto Alegre, levou-me para conhecer a feira do Brique da Rendenção. Adorei. O dia estava lindo, as pessoas com seu chimarrão, o artesanato, tudo. Em Belo Horizonte não se pode deixar de ir à feira Hippie, ou feira de Arte e Artesanato da Av. Afonso Pena. Mas vá cedo. Bem cedo. Essa feira tem de tudo: artesanato, bijuterias, sapatos, bolsas, comida... E um mundo de gente. No trecho onde a feira acontece tem o Palácio da Artes, com sua loja de artesanato, exposições e outros eventos. Em Ilheús, onde nasci e vou nas férias, gosto de passear nas feiras que se montam na avenida no verão, com artesanato, roupas, comida... É muito bom andar na beira-mar, encontrar os amigos, e dar umas voltas na feira.

E na sua cidade, como é a feira que tem neste domingo? Me convida, que eu vou...

Feira do Brique

Esta foto é daqui.

Feira do Brique

Esta foto é daqui.

Feira do Brique - Veja mais aqui e aqui .


Feira Hippie de BH

Esta foto é daqui.



Feira da Pça Benedito CalixtoEsta foto é daqui.

Não podia deixar de colocar fotos de Ilhéus. Embora eu não tenha fotos de feira, coloco fotos onde se pode ver a av. Soares Lopes que abriga estas feiras. As fotos são de Mauro Varandas, que as enviou para mim.






Não pude deixar de colocar esta. Por que será que eu gosto tanto de azul?


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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Espelhos


Ajeitou a mecha de cabelo que insistia em cair. Nunca tinha se visto daquela maneira. Assim, daquele ângulo. Vinha descobrindo que cada um mostrava um lado diferente. Às vezes, sobreposições. Mas as sobreposições eram boas, quer dizer, era bom que acontecessem – davam substância ao ponto. A primeira coisa que via eram os olhos. E aquilo a engolia. Era um negócio, um arrepio que não sabia explicar. Sentia-se ora desnuda, ora pelo avesso. E ficava observando as costuras, onde poderia dar uma entrada, fazer ajustes, cortar pedaços... O que mais aprendia era onde botar brilho, acender umas luzes, trazer mais para frente, mais para perto de si mesma de modo que não pudesse esquecer. Era fundamental não esquecer do lado bom, porque o outro ela achava sozinha. Parecia que em alguns momentos só enxergava ele. E ai não tinha brilho algum. Ia murchando, murchando, murchando... uma coisinha chocha, sem sal, perdida na insignificância. Uma vez havia sido salva por aquele olhar que lhe seguia nua, como se nunca houvesse visto algo assim. Era uma tensão quase palpável, quase uma entidade, um ser com vida própria ali entre eles. Em diversas ocasiões o olhar vinha em uma palavra ou duas. E essa sensação de se descobrir outra naquele reflexo, estranha, mas ela mesma, uma releitura de si – essa sensação alimentava uma curiosidade quase antropofágica sobre quem era. Lembrava do personagem de Pirandello que vive uma loucura lúcida ao se perceber um, nenhum, cem mil – ela também era aquela ela que imaginava de si, era nenhuma daquelas que os outros achavam que ela era, e era todas. Mas ao olhar essas imagens, queria fazer uma colagem, amalgama-las, fundi-las e emergir una, inteira e de todas as faces. Ajeitou a mecha mais uma vez. Piscou e sorriu. Mergulhou naqueles olhos que sorriam de volta.

(Iêda Lima)

Imagem recortada a partir de imagem do clipart do powerpoint

sábado, 6 de dezembro de 2008

Cores de um poeta


O meu amigo Cícero, arquiteto, poeta, cultivador de orquídeas e amante das maritacas que vão admirá-las, mandou-me o poema "Novas Cores" que, com a permissão dele, aqui publico.


Novas Cores

(Cícero Christófaro, 2001)

Azul
Mero instrumento do poder
Do não querer das outras cores
O azul
Fundo azul
“Foda-se o amarelo”
Não quero o azul!
Mas ele é o instrumento do poder
“Do poder”!
E se o azul desmaiar
Desvincular do branco os tons púrpuras
Dezazulando-se e se perdendo

na mediocridade de uma cor qualquer?
"Que seria do amarelo”?
Não sei!
Não sei nem o que seria do azul
Talvez o amarelo reinasse
Quem sabe seria o sol?
Sol! amarelo!
Foda-se o azul
Foda-se a mediocridade!
Mas quem disse que a mediocridade
é o fundamento, apenas,
de uma profusão de cores?
A mediocridade fundamenta-se, apenas,
na mediocridade
e não nas cores!
Fodam-se as cores!
Foda-se o púrpura!
Foda-se o amarelo!
Foda-se o vermelho!
E o branco?
Foda-se também pelo tanto que é insípido!
Fodam-se também os fundamentos!
Foda-se a mediocridade!
Amarelo agora
É o poder!


Imagem obtida do clipart do powerpoint

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

À Francesa



Uma história de amor não é uma história de amor. É no mínimo duas: a dele e a dela. E desde quando alguém sabe o que se passa do outro lado? E não era isso o tempero, o mistério? - pensava enquanto dirigia pela estradinha de terra em direção à casa de praia, o vento nos cabelos. Adorava quando o céu estava daquela cor, os tons de azul e verde colorindo o ar, os coqueiros, a mata e aquela imensidão de águas que se descortinava à sua frente. Não via a hora de afundar os pés na areia branca. Será que era isso que iria lembrar dali a dez anos? O cheiro de maresia limpando os pulmões de qualquer vestígio do perfume dele? Engraçado como o tempo mudava os contornos e colocava gigantes em tamanhos razoáveis, ou talvez ela houvesse aprendido a mergulhar mais em si mesma e a gostar do que via no espelho. Mas enquanto o tempo não chegava lá, pensava ao vestir o biquini e correr para a praia, nada como o sal para cicatrizar.

O telefone tocava insistentemente, sem resposta. Sabia que devia ter evitado colocar o celular na bolsa. Agora teria de se desfazer de tantos velhos hábitos, o café na cama, os longos passeios de domingo, as conversas madrugada adentro... Mas de qualquer forma, talvez as coisas já não fossem mais as mesmas há algum tempo, ela não sabia precisar, somente agora percebia o que poderiam significar aquelas mudanças sutis no tom de voz. Ninguém havia acreditado no acontecido. Os amigos ligavam, sem saber como falar com ela, e, claro, sempre havia aqueles interessados nos detalhes sórdidos.

Agora, com a passagem do tempo já em marcha (sim, porque tudo havia paralisado naqueles primeiros dias), ficava pensando o que ele acharia disso tudo, o que lhe contaria ao servir mais uma taça de pinot noir, pensava isto enquanto ela própria abria uma garrafa. Não é estranho como não sabemos nada? Lembrava ainda da primeira troca de olhares e de tantas boas recordações de todos aqueles anos – jamais imaginou aquele final. Logo ele, tão sincero, tão correto. Por que havia escolhido morrer assim, nos braços de outra, em um lugar qualquer?

(Iêda Lima)

Imagem: obtida do clipart do powerpoint.

sábado, 29 de novembro de 2008

É preciso cuidar

para não passar do ponto
para não perder o ponto
para não dormir no ponto

para não desandar

(Iêda Lima, 2007)

terça-feira, 25 de novembro de 2008


Foram-se os nós

um a um

Restaram eu e você

(Iêda Lima, 2006)
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Imagem obtida do clipart do powerpoint

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Dieta


Bolo de chocolate

Queria olhar para ele

Como olho para você:

sem apetite

(Iêda Lima)
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Imagem: obtida do clip art do powerpoint.

Lançamento de Livro

Se você está em Belo Horizonte, poderá prestigiar o lançamento do livro “A tábua dos desejos” de Everaldo Chrispim, escritor e médico, no próximo dia 29 na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, a partir das 10 horas. Ele publicou em 2003 o livro de contos “O Sopro do Vento”, pela Editora Comunicação.

Clique aqui para ler um dos contos de “O sopro do vento".



Se você gosta de Guimarães Rosa, não perca o Projeto Sempre um Papo no dia 02 de dezembro, terça-feira, quando Mônica Meyer apresenta seu livro “Ser-tão natureza: a natureza em Guimarães Rosa”, publicado pela Ed. UFMG. Mônica é Bióloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A produção literária de Guimarães Rosa apresenta uma multiplicidade de significados de natureza, tratada por meio de imagens, cores, luzes, cheiros e sons. Sua paixão pelo mundo natural salta das páginas com citações e descrições de plantas, bichos, rios, morros, lugares, pessoas, auroras, crepúsculos. O espaço é esquadrinhado em quatro dimensões, ligando céu, água, terra e fogo. A boiada, viagem pelo sertão de Minas em 1952, mostra a vivência de Guimarães Rosa e dos vaqueiros com o mundo natural, uma travessia em que os aspectos objetivos e subjetivos estão presentes e compõem a sinfonia da vida. Nesse percurso, a concepção de natureza, fruto de andanças, observações e vivências do Guimarães Rosa naturalista, é revelada nas anotações, minuciosas e detalhadas, que descrevem a viagem e trazem nas entrelinhas uma concepção e um conhecimento intenso da natureza que ultrapassam as fronteiras de uma abordagem naturalista.” Fonte: Editora UFMG

SER-TÃO NATUREZA: A NATUREZA EM GUIMARÃES ROSA, de Mônica Meyer.
LOCAL: SALA JUVENAL DIAS, PALACIO DAS ARTES
DATA: 02/dezembro/2008
HORARIO. 19:30 horas
PROJETO SEMPRE UM PAPO


Clique aqui para ler reportagem de Alécio Cunha, Jornal Hoje em Dia, sobre o livro de Mônica Meyer.

Clique aqui para ler o artigo “Educação Ambiental com Guimarães Rosa”, de Mônica Meyer, publicado na revista PRESENÇA PEDAGÓGICA • v.12 • n.70 • jul./ago. 2006


Reserve também na sua agenda o dia 06 de dezembro: lançamento do livro "O poder no pensamento social - dissonâncias", de Renarde Freire Nobre (org.). Renarde é professor da UFMG, Mestre em sociologia pela UFMG, Doutor em sociologia pela USP, autor do livro “Perspectivas da razão: Nietzsche, Weber e o conhecimento” e recentemente publicou com Rubens Caixeta de Queiroz o livro “Lévi-Strauss – Leituras brasileiras”.

“Como sugere o subtítulo da obra, a idéia de "dissonâncias" explicita que, mais do que tratarmos de um tema vital no pensamento social, o que interessa é apreendê-lo conforme se apresenta no interior do corpus teórico mais geral: com constância marcada por multiplicidade conceitual, variação analítica, inconsistências empíricas e conflitos interpretativos. Podemos dizer que, provavelmente, a unidade do livro é uma aposta na riqueza interpretativa e na – sempre possível – abertura de diálogos mais criativos provocados pelas diferenças.” Fonte: Editora UFMG

O PODER NO PENSAMENTO SOCIAL - DISSONÂNCIAS, de Renarde Freire Nobre (org.).
DATA: 06/dezembro/2008
HORÁRIO: das 11 às 14 horas
LOCAL: CAFÉ COM LETRAS (Av. Antônio de Albuquerque, 781 - Savassi).

sábado, 15 de novembro de 2008

Viver é não conseguir



Fiquei com esse verso girando na minha cabeça. “Viver é não conseguir”. Não consegui parar de pensar, quando tudo o que importa é sentir. Interromper o fazer febril, para entregar-me ao fluxo. Mas são três horas da manhã e já perdi a conta das xícaras de café. Olho novamente para a pilha de papel, o trabalho a terminar e o verso ganha outros contornos. Quero esquecer certos fatos, mas talvez baste não lembrar. Não lembrar do que me disse à porta do cinema, não lembrar do teu sorriso, do gosto da tua pele contra a minha... A névoa já se havia dissipado naquela manhã. Fizera tudo sem fome, numa forma de alienação, de um não calado, sem a excitação do desconhecido nem a doçura de um mapa já percorrido. Quando acordei, achei que estivesse pensando melhor e, sem enxergar, saí, deixando o vazio para trás. E agora estou aqui, diante de mais uma xícara, observando o fumegar do café na noite fria. Viver é não conseguir. As letras dançam na minha frente e me afasto em direção à janela. É não conseguir. Não conseguir pensar em outra coisa ao olhar o oceano, ouvindo o arrastar de chinelos ausentes fazendo a caminhada de sempre após a janta, sentar em um dos bancos preferidos e conversar até dar vontade de voltar para casa. Afasto essas visões, mas outras ocupam o lugar. Penso ouvir coisas, talvez um riso e... mas é só alguém na rua. Não, não era você. Nem era eu quem o esperava voltar de viagem. Olho os espaços em branco na estante, e entrego-me a reorganizar as faltas. E a pilha de papéis continua lá. Jogo o café fora e resolvo fazer alguma coisa para comer. Logo o dia vai amanhecer e não concluí o trabalho. Talvez fosse melhor pintar o cabelo. Penso isso como se a tinta fosse penetrar no couro cabeludo e tingir meus pensamentos. Rio comigo mesma. Ataco os papéis. Carros e ônibus fluem lá fora, algum vizinho coloca uma música alta, a chuva fina corta a vidraça...

Assim, sem esforço, sem pensar, sentir que não te sinto mais.

(Iêda Lima)


Imagem: Gustave Caillebotte. Rua Parisiense, Dia Chuvoso. 1877. Instituto de Arte de Chicago.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008


"Nunca se distingue bem o vivido do não vivido." Sophia de Mello Breyner Andresen

“Quem dança não é aquele que levanta poeira. Quem dança é aquele que inventa seu próprio chão.” Provérbio Moçambicano

Imagem: obtida do clip art do powerpoint.